Muito antes das autoescolas, simuladores e aulas de legislação, dirigir no Brasil era um privilégio reservado a pouquíssimos. E o primeiro nome da lista foi o do industrial Menotti Falchi, dono de uma fábrica de chocolates em São Paulo, que em 1904 se tornou oficialmente o primeiro habilitado do país.
Na virada do século XX, o Brasil vivia sua própria Belle Époque: bondes elétricos, ruas de paralelepípedos e uma elite industrial empolgada com as novidades que vinham da Europa. Uma delas era o automóvel, que chegou por aqui em 1891, importado por ninguém menos que Santos Dumont. Um carrinho francês, modelo Peugeot Type 3, que mais parecia um triciclo com motor.
Naquela época, não existia uma carteira de motorista como conhecemos hoje. Cada cidade inventava suas próprias regras, e em São Paulo, a prefeitura criou em 1904 um “exame para motoristas”. O primeiro a passar foi Menotti Falchi, empresário respeitado, membro de uma tradicional família italiana, fundador da Fábrica de Chocolates Falchi, e ativo na sociedade: foi presidente do Palestra Italia (hoje Palmeiras) e ajudou a criar o Hospital Umberto I.
Ser o primeiro licenciado a dirigir na capital paulista não era só uma questão de mobilidade. Era um símbolo de status, poder e modernidade. Na prática, só quem podia comprar um carro, artigo de luxo absoluto, era também quem conseguia essa “licença de chauffeur”.
Mas não foram só os homens que marcaram época. Em 1906, duas mulheres entraram para a história como as primeiras brasileiras habilitadas a dirigir e até hoje, não se sabe ao certo qual delas foi a pioneira.
No Rio de Janeiro, então capital federal, os jornais anunciaram com orgulho que a socialite Virginia Lowndes havia se tornado a primeira “chauffeuse” do país, após ser aprovada no exame local. Só que poucos dias depois, São Paulo respondeu à altura. O jornal “Diário Popular” publicou uma matéria dizendo que Maria Andréa Patureau de Oliveira já tinha tirado sua licença em março daquele ano.
O impasse nunca foi resolvido, mas o episódio mostra como a disputa entre Rio e São Paulo ia muito além do futebol. Cada cidade queria ser vista como o retrato do progresso brasileiro, e ter a primeira mulher motorista fazia parte desse troféu simbólico.
Apesar desses primeiros passos no volante, a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) só nasceu de verdade décadas depois. Foi em 1941, com o primeiro Código Nacional de Trânsito, que o Brasil começou a unificar as regras. O nome “CNH” veio só em 1966, e a versão atual, com foto e validade nacional, só surgiu mesmo com o Código de Trânsito de 1997, que entrou em vigor no ano seguinte.
De lá pra cá, muita coisa mudou. Mas olhar pra trás é entender como o ato de dirigir, hoje tão comum, já foi privilégio de uma elite, com empresários e socialites sendo pioneiros em meio a bondes, carroças e ruas de pedra. E tudo isso começou com um industrial que vendia chocolate.