O níquel brasileiro passou a ocupar posição central nas disputas da geopolítica global. A venda de minas da Anglo American em Goiás e no Pará para a estatal chinesa MMG, por US$ 500 milhões (R$ 2,7 bilhões), ampliou a presença de Pequim no setor e provocou reação imediata de concorrentes europeus e autoridades norte-americanas.
O acordo inclui as plantas de Barro Alto e Niquelândia (GO), além de projetos em Mato Grosso e no Pará, consolidando a China como potência dominante em um insumo essencial para a produção de baterias elétricas, aço inoxidável e tecnologias da transição energética.
Europa alega oferta maior rejeitada
A Corex Holding, empresa holandesa controlada pelo bilionário turco Robert Yüksel Yıldırım, afirma ter oferecido US$ 900 milhões (R$ 4,9 bilhões) — quase o dobro do valor pago pelos chineses —, mas mesmo assim foi preterida. A companhia questiona a transparência do processo e acionou o Cade, no Brasil, e a Comissão Europeia, em Bruxelas.
Para Yıldırım, a operação amplia de forma perigosa a concentração de mercado: “Essa compra aumenta ainda mais a dependência global da China e ameaça a segurança de suprimento da União Europeia”, declarou.
Reação nos Estados Unidos e risco regulatório
A administração de Donald Trump acompanha a transação com preocupação, considerando-a parte de uma estratégia chinesa semelhante à executada na Indonésia, onde o controle chinês sobre minas ajudou a derrubar preços internacionais.
Na União Europeia, cresce a pressão para investigar o negócio por risco de concentração, enquanto no Brasil o Cade analisa se a venda pode comprometer a concorrência local. A Anglo American defende a operação alegando foco em cobre, ferro de alto teor e nutrientes agrícolas.
Impactos locais em Barro Alto
Na cidade de Barro Alto (GO), que tem pouco mais de 12 mil habitantes, a mudança de controle gera expectativa. Para a comunidade, há esperança de que a MMG traga novos investimentos, empregos e desenvolvimento. Porém, também cresce o receio de dependência maior da China e perda de espaço para fornecedores nacionais.
“O município evoluiu muito com a mineração, mas ainda tem desafios. A chegada da MMG pode ser uma oportunidade de modernização, desde que haja compromisso com a região”, avaliou Iran Fernandes, representante da associação comercial local.
Níquel brasileiro como ativo estratégico da transição energética
O níquel é considerado mineral crítico para baterias de carros elétricos, sistemas de armazenamento de energia renovável e até equipamentos militares. Com as maiores potências disputando o controle das cadeias de fornecimento, o Brasil surge como peça-chave nesse tabuleiro.
Segundo estimativas do setor, a China já concentra 60% da oferta global de níquel refinado, além de dominar cadeias de cobalto e terras raras. A aquisição das minas brasileiras reforça ainda mais essa hegemonia.
Brasil no centro da disputa global
Dono de algumas das maiores reservas do mundo, o Brasil deixa de ser apenas fornecedor de matéria-prima e passa a ser alvo de estratégias de potências que enxergam no níquel nacional um fator decisivo para o futuro da economia verde e para a segurança energética.
O episódio evidencia que a mineração vai muito além da economia: trata-se de um instrumento de poder global, onde China, EUA e Europa disputam influência e acesso a recursos estratégicos para as próximas décadas.