Entre 2022 e julho deste ano, cerca de 5,5 milhões de trabalhadores deixaram empregos com carteira assinada (CLT) e passaram a atuar como pessoas jurídicas (PJs), segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O movimento levantou suspeitas de fraudes trabalhistas, já que muitos desses profissionais podem ter sido pressionados por empregadores a abrir CNPJ para reduzir custos com encargos.

Suspeita de pejotização forçada

De acordo com o MTE, o cruzamento de dados do CPF dos trabalhadores com o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) confirmou que milhões migraram diretamente do regime formal para o empresarial. Do total, 4,4 milhões tornaram-se Microempreendedores Individuais (MEIs), categoria criada para formalizar autônomos, mas que vem sendo usada em situações de possível vínculo empregatício disfarçado.

O ministério afirma que a prática reduz custos para empresas, mas retira direitos como férias, 13º e FGTS dos trabalhadores. O impacto fiscal também é expressivo: a perda estimada de arrecadação supera R$ 70 bilhões desde o início da tendência.

Custo trabalhista e impacto no INSS

Um empregado CLT contribui, em média, com R$ 400 por mês para o INSS, enquanto um MEI paga apenas R$ 70. A diferença, segundo o governo, enfraquece o financiamento da Previdência.

Estudo da FGV-EAESP aponta que o custo total de um contrato formal pode chegar a 70% acima do salário, o que incentiva empresas a optar pela contratação via CNPJ.

STF deve decidir sobre legalidade

Os dados foram apresentados ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que deve definir uma tese sobre a licitude da pejotização. Em abril, Mendes suspendeu temporariamente todos os processos trabalhistas que tratam da contratação de autônomos e PJs com suspeita de vínculo empregatício.

De 2020 a março de 2025, 1,2 milhão de ações trabalhistas foram abertas para pedir o reconhecimento de vínculo, o que representa 8,3% de todas as reclamações na Justiça do Trabalho.

Especialistas sugerem ajustes nas contribuições

Para Leonardo Rolim, ex-presidente do INSS, o problema da perda de arrecadação poderia ser reduzido com novas faixas de contribuição. Ele propõe alíquota reduzida de 5% para trabalhadores vulneráveis inscritos no Cadastro Único, e de 11% para os demais, com transição gradual entre o MEI e o regime do Simples Nacional.

Já o economista Nelson Marconi, da FGV, observa que a pejotização também reflete mudanças no mercado de trabalho. Em áreas mais qualificadas, há quem escolha o CNPJ por conta da autonomia e dos ganhos maiores, em alguns casos, o dobro do salário CLT.

Tendência de autonomia e informalização

Embora o governo veja indícios de fraude, pesquisas indicam que a preferência por trabalhar por conta própria cresce entre os brasileiros. Segundo o Datafolha59% da população prefere o trabalho autônomo, número que chega a 68% entre os jovens.

O desafio, segundo o MTE, é distinguir a escolha voluntária da pejotização forçada e garantir que o avanço da autonomia profissional não venha acompanhado da precarização dos direitos trabalhistas.

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