Um estudo do FGV Ibre revelou que a expansão recente do Bolsa Família modificou de forma significativa a dinâmica do mercado de trabalho brasileiro. Segundo a pesquisa, para cada duas famílias que recebem o benefício, uma deixa a força de trabalho, efeito mais visível entre jovens homens do Norte e Nordeste.

O resultado chama atenção porque surge em meio a um cenário positivo: a taxa de desemprego caiu para 5,8% no segundo trimestre de 2025, o menor patamar desde 2012, de acordo com o IBGE. Ou seja, mesmo com a economia aquecida e mais vagas formais disponíveis, parte dos beneficiários optou por se afastar do mercado.

Crescimento acelerado do programa

Desde a pandemia, o Bolsa Família ganhou novo formato e mais recursos. O Auxílio Emergencial de 2020 abriu espaço para o Auxílio Brasil, que em 2022 fixou o pagamento básico em R$ 600. Em 2023, o programa voltou ao nome original e ampliou a cobertura.

  • Em 2017, 14 milhões de famílias recebiam o benefício; em 2025, já são 21 milhões.
  • O orçamento passou de R$ 35 bilhões para R$ 170 bilhões anuais.
  • O valor médio chegou a R$ 670, representando hoje 35% da renda mediana do trabalho no país (antes de 2019, era 15%).

Esse aumento fez com que o programa tivesse peso inédito na renda das famílias, alterando decisões de trabalho e de estudo.

Efeitos na participação e na formalização

A pesquisa mostra que famílias beneficiárias apresentam:

  • Queda de 11% na taxa de participação no mercado.
  • Redução de 12% na probabilidade de estar ocupado.
  • Diminuição de 13% na chance de ter emprego formal.

O impacto é mais forte entre jovens homens de 14 a 30 anos, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Já entre as mulheres, os efeitos foram considerados pouco relevantes.

Razões para saída do emprego formal

De acordo com os pesquisadores, a renda garantida pelo programa reduz o interesse por empregos que oferecem menor estabilidade e que podem gerar risco de perda do benefício.

A chamada Regra de Proteção, que permite ao trabalhador manter parte do Bolsa Família por até 12 meses após conseguir emprego formal, buscou reduzir esse efeito. Ainda assim, o estudo indica que muitos beneficiários preferem não migrar para o mercado de trabalho registrado.

Riscos e possíveis caminhos

Entre os efeitos colaterais, está a possibilidade de perda de capital humano entre jovens que deixam de acumular experiência em fases cruciais da vida profissional. Por outro lado, há indícios de que parte deles utiliza o tempo livre para se dedicar aos estudos, o que pode resultar em ganhos sociais no longo prazo.

Especialistas defendem ajustes no modelo. Uma das propostas é reduzir o benefício básico e redirecionar recursos para mães com filhos pequenos ou para jovens que abandonaram os estudos por necessidade financeira, conciliando proteção social com estímulo à qualificação.

O desafio para o futuro do programa

O Bolsa Família, que nasceu como política de combate à pobreza, hoje representa parcela significativa da renda de milhões de brasileiros. O desafio do governo é equilibrar esse papel de rede de proteção social com medidas que incentivem emprego formal, educação e inclusão produtiva.

A pesquisa do FGV reacende o debate sobre como manter o programa sustentável sem comprometer a participação da população no mercado de trabalho e sem enfraquecer o potencial de geração de renda do país.

Compartilhar.