O avanço de um projeto na Câmara dos Deputados tem gerado debate acalorado. A proposta busca derrubar uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que estabelece diretrizes para o aborto legal em casos de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
O relator do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 3/2025, o deputado federal Luiz Gastão (PSD-CE), emitiu parecer favorável à derrubada da Resolução nº 258/2024. O texto já obteve aprovação nas comissões de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, além da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania.
Em sua defesa, Gastão argumenta que menores de 16 anos não possuem autonomia para tomar decisões complexas como a interrupção da gravidez. Para ele, o aborto nesses casos deveria ser condicionado à apresentação de boletim de ocorrência ou autorização judicial. O relator expressa preocupação com a dispensa de autorização judicial, considerando-a uma afronta ao direito de acesso do nascituro ao Poder Judiciário.
O texto criticado determina que, em casos de suspeita de violência sexual no âmbito familiar, nem mesmo os pais ou responsáveis legais da vítima necessitam ser notificados. Gastão também questiona a ausência de um limite de tempo para a realização do aborto na resolução do Conanda, alegando que isso poderia autorizar a prática em gestações próximas a 40 semanas. A resolução, no entanto, estabelece que o tempo de gestação não deve ser um impedimento para o aborto legal e dispensa a notificação ao conselho tutelar.
No final do mês passado, a deputada Chris Tonietto (PL-RJ) solicitou regime de urgência para votação do texto. Aprovada a urgência, a proposta seguiria diretamente para votação em plenário, sem análise de outras comissões.
Deputados autores do PDL argumentam que o Conanda desconsidera o poder familiar, interpreta de forma inadequada o direito à objeção de consciência e confere maior poder decisório a crianças e adolescentes do que a legislação civil permite. A ala conservadora argumenta que a resolução viola o direito à vida e a integridade física do feto, afirmando que o aborto não constitui um direito.
A resolução em vigor estabelece que as equipes de saúde devem seguir parâmetros internacionais e evidências científicas para garantir a segurança da vítima durante o procedimento. O texto também determina que nenhuma exigência pode atrasar ou impedir o acesso da criança ou adolescente ao direito à saúde e à liberdade.
A campanha Criança Não é Mãe expressou preocupação, afirmando que o PDL representa um retrocesso na proteção da infância e retira a única normativa que assegura um fluxo claro e humanizado de atendimento para crianças estupradas. A campanha destaca que os protocolos da resolução do Conanda são aplicados em diversos países e priorizam o cuidado com as vítimas. Dados da campanha apontam que, entre 2018 e 2023, uma menina de 10 a 19 anos morreu por semana devido a complicações na gravidez.
Em maio deste ano, um levantamento indicou que cerca de 14 mil meninas de 10 a 14 anos tiveram filhos no Brasil em 2023, enquanto apenas 154 tiveram acesso ao aborto legal no mesmo ano. Um estudo da Fiocruz Bahia revelou que meninas nessa faixa etária representam a maioria das vítimas de estupro, e na maior parte dos casos, os autores do crime são conhecidos das vítimas.
Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br